11 de dezembro de 2009

TUA FÉ



Tua fé lhes dá alívio.
Tua fé lhes dá consolo.
Tua fé te dá conforto.
Tua fé lhes dá ou tira?

Tua fé promete abrigo.
Tua fé me dói o ouvido.
Tua fé expõe minha ira.
Tua fé te dá e tira.

Tua fé é uma mentira.
Essa fétida mentira.

11 de novembro de 2009

AS LUZES DE UM ENSAIO


O disco amarelo iluminou-se.

Sim. Nessa versão do nosso mundo, também se iluminou. Lá onde quase ninguém olha. Onde o que se acredita ser humano diz que foca, mas, no fundo, nem tão fundo, bate o olho e ignora. Pois, se pudesse olhar, veria. Se pudesse ver, repararia. Lá onde ponto cego é borrão em abundância. Onde o tonto se perde, na bruma de sua própria ignorância. Pois, se pudesse achar, teria. Se pudesse ter, dividiria. O disco amarelo iluminou-se. Sim. Nessa versão do nosso mundo, também se iluminou. Todavia, da ocasião, o desatento passa ao largo. Um uníssono brado. Apagou.

Ele sopra ao meu ouvido. Meu conformismo se apaga, uma chama acende. Magia? Não. Não é preciso de magia para um sopro invadir a janela da minha alma. Ele é mais que um mago. Ele é muito mais que o mago. Ele sopra ao meu ouvido. Um vendaval versado em raro linguajar disparatado. Escreve sobre as retinas do meu peito o doloroso contorno moral de um mundo devastado. Seu mundo. Meu mundo. Nossos mundos. Territórios assolados por outros vendavais tão análogos. Não à toa, temos punhos e corações acelerados. Angustiados. Como seu alter ego que tudo vê, ouço pela janela a degradação dos meus coadjuvantes. Todo o excremento do que se acredita ser humano vindo à tona de um modo instantâneo e arrasador jamais visto antes. Mais que um desastre natural. Como se isso não fosse natural... Ouço pela janela porque não posso olhar. Digo que não posso, mas, no fundo, nem tão fundo, digo porque não quero olhar. Pois, se pudesse olhar, veria. Se pudesse ver, repararia. Amarga ilusão. Não dá mais. Olho. Vejo. Reparo.

Sim. Olho. Vejo. Reparo. A barbárie aflorando em um sem número de esquinas da cidade. Do meu mundo que não aprende com a idade. Flores espinhosas que quase cortam minha alma fora. Poucas vezes, a noite foi tão silenciosamente estrondosa. Poucas vezes, luz, som e suas ausências foram tão contraditórios. Contraditórios. Contraditórios. Contraditórios. Contraditórios. Contraditórios. Contraditórios. Silêncio. Hiato. O panóptico do sábio. Sim. Olho. Vejo. Reparo. Reparo-me. Reparo o mundo outra vez. E me reparo. Onde há espinhos, há pétalas. Delicadas ou não, pétalas. Pétalas que parecem florescer mais fortes em meio às trevas. Banhadas de afeto, de solidariedade, de benevolência pura ao seu coadjuvante. Seus coadjuvantes. No meio do crepúsculo, alguns puderam achar. Se achar. E aquele que se acha, tem. Aquele que tem, divide.

Lembra-me o sopro que somente num mundo de cegos é que as coisas são o que verdadeiramente são. A clareza dos antagonismos emerge. Eles coexistem.

Sim. Realmente, são.

As luzes se acendem. Baixo meus olhos.

A cidade ainda está aqui.




PS: dedicado a José Saramago e Fernando Meirelles que me brindaram com os contornos do seu mundo, poucas horas antes da minha escuridão. Da nossa escuridão.

10 de novembro de 2009

SILÊNCIO


Hiato entre o calar
...
E o falar

Panóptico do sábio
Refúgio do covarde
No silêncio
...
Eu meedito

30 de outubro de 2009

O PREÇO DO AVESSO


Sou o berro do criado-mudo
A soberba de quem criou o mundo
A conversa que logo desconverso
Um verso de cabeceira engavetado

Sou o erro bem intencionado
A tensão e o tesão da puberdade
A verdade que há na sacanagem
Um ato só em minha própria homenagem

Sou o veto à voz do viva voz
A censura doce no talvez de meus avós
A tradição e a contradição dentro de mim
Um não azedo que hesita em gritar sim

Sou o sol que se recusa a ser menor
A luz que apaga, mas insiste no “acorde!”
Meio Tom, meio Jerry, mil metades
Um suicida quando caço sem dó ou piedade

Sim
Não sou santo, nem encanto
Nada além do tanto quanto canto
E, no meu canto, prendo o pranto
Enquanto conto o que restou
De mim

13 de outubro de 2009

DOCE LAR




Estranho.
Como assim, tão de repente, me ameaça de voltar? Dias de ignorância, noites de rejeição. Anos de desprezo e vem bater à minha porta, agora, pedindo para entrar?
Bate. E bate forte. Cada vez mais forte.
Corte.

Estranho-a.
Diz-me então. Por acaso. Lembra bem o quanto sou difícil de lidar? Dias de alegria, noites de aflição. Lembra de quantas e quantas vezes deixamos outros a chorar?
Não. Não é acaso. É claro.
Ocaso.

Não é mais claro. Nada é mais claro.
O crepúsculo das minhas certezas me confunde. Você me confunde.
Sem rosto. Sem nome. Sem cautela.
Sem prudência. Minha Querida Prudência que, finalmente, sai para brincar.
Ninguém lhe conhece. Apenas eu. Só e somente eu.

Estranho-me.
Você me confunde.
E se funde. A mim. Aos meus dias, às minhas noites, à minha porta.
Nossa porta.
Bata à nossa porta. Forte. Mais forte.
Bata e me faça lembrar. Calar. Olhar.
Como é bom lembrar.

Não sei se a quero. Só sei que quero.
Você. Minha infiel companheira. Minha mais seca lamúria.
Recém desperta.
Angústia.

12 de outubro de 2009

NOSSAS CORES



O amarelo que vês é o amarelo que vejo?
E teu branco?
E teu preto?
O teu tudo tem cor e o teu nada é branco?
Ou o branco é nada e tudo é preto?

Entender nossas visões foi sempre difícil.
Teu choro era azul
Em belos olhos verdes.
Meu sorriso era vermelho
Em lábios que matavam tua sede.

Nós somos dois, não somos um.
Escolhe a tua cor, que eu escolho a minha.
Pinta tua noite, que eu pinto o meu dia.
Porque, amanhã, nossa história continua a ser contada na parede da vida.

NOVO DIA, NOVAS CORES



Mais um dia vai chegar
Dia de retocar a tal parede
De relembrar a nossa sede
De reencontrar e enxergar
Como brilhará o que era verde

Mais um dia vai chegar
E o que terá mudado em teu olhar?

Em ambos

No teu verbo
Teimoso em interpretar
E no teu substantivo
Razão de, um dia, por ti,
Eu me apaixonar

Mais um dia vai chegar
E que cor avivará o teu chorar?
Secaremos aquele azul angustiante?
Transformá-lo-emos em algo cambiante?
Ou continuaremos repetindo como antes?

Mais um dia vai chegar
E as respostas
Como as cores
Esse dia vai nos dar

6 de outubro de 2009

12 DE OUTUBRO


Outro dia, uma pergunta surgiu.
“Por que, quando crianças, o viver nos parece mais intenso e verdadeiro?”.

Primeiramente, porque, quando crianças, a nostalgia não existe. Afinal, fica difícil nos apegarmos às poucas memórias passadas que mal conseguimos gravar.

Além disso, não atrelamos nossa felicidade às projeções feitas para dias que virão. Ou seja, não vivemos (“existimos”? ) de expectativas, de conjecturas.

Quando crianças, nosso foco está no nosso presente, no dia que estamos vivendo. Não perdemos tempo nos lamentando por hoje não ser como ontem, nem divagando sobre a possibilidade de amanhã ser melhor do que hoje. Simplesmente, nos esforçamos para fazer do agora o melhor momento de nossas vidas.

E nós, presunçosos que somos, ainda tentamos ensiná-las como crescer.

29 de setembro de 2009

ARTE E MANHA


Tuas formas ganham vida
Nas mãos hábeis do artista
Belos traços
Cores vivas
Quem te aspira se inspira

Na umidade que me irriga
Dedos ávidos escorregam
São meus toques
E retoques
Quem se inspira já transpira

Mãos e dedos em harmonia
Onde pouco conhecias
Dão contorno
Ao que era morno
E a ebulição ao fim do dia

Fluem então em sintonia
Artesão e poesia
Dou-te molde
Obra-prima
Meu recorte em curvas líricas

E quando o corpo se revela
A fruição nos atropela
Inebria
Delicia
A conduzida agora guia

23 de setembro de 2009

AO CAÓTICO ALIVIADO


Aqui jaz o tempo
Apodrecendo no hiato
De um infinito entreato
Você agora paira isento
Na lacuna do roteiro
Sem sorriso ou lamento
Não presenteia o mundo como antes
Já não faz do caos, uma estrela brilhante
Alheio ao porvir
Sem escolher ou preferir
Ignora a beleza de um verso parir
É covarde, é inerte
Não inova nem repete
Despe-se da vontade
Culpa a maldade
E não se lembra do que é verdade

De que é Deus do próprio tempo
De que o que procura está aí dentro
De que, um dia, a angústia parte
E essa dor
Não vira arte

21 de setembro de 2009

E ASSIM ME FAÇO



Chega a dúvida.

Por que tanta atração pelo fácil? Pelo previsível?

Por que tantos preenchedores de gaveta e tão poucos carpinteiros?

Tanto compromisso e tão pouco improviso?

Por quê?

Faço-me de desentendido, eu sei. Não porque queira essas respostas. Essas, infelizmente, eu já tenho. Já se transformaram em certeza. Coisa que, aliás, também não me atrai tanto.

Faço-me assim porque prefiro as perguntas. Sempre. E prefiro pagar o preço dessa ilusão de uma dúvida impulsionadora, pra saber que, agora, você está aí se questionando, entrando em sintonia comigo. Mesmo que esse você também já tenha suas respostas.

Vá lá. Corra atrás da sua pergunta. E não me conte a resposta. A sua resposta. Ela é sua, só sua. É um peso que você vai ter que carregar. O fim da dúvida. O fim do impulso.

Chega a angústia.

De já entender a fraqueza das pessoas. De já compreender o medo.

Chega a necessidade.

Preciso de perguntas. Preciso que me desafiem. De alguém rico em entrelinhas. De um belo e suculento ponto de interrogação em meio à imensidão de um intenso olhar. Não quero enxergar esse fundo. Não quero.

Não quero a frustração de uma fala esperada. De um carinho roteirizado. Quero um beijo provocante. Uma porrada. Aqui, bem no meio da minha alma.

Quero mais angústia. De não saber como falar. Ou escrever. Mais angústia. Pra poder brigar com ela, que tanto amo. A palavra. Maldita palavra que teima em ser essa intransponível fronteira do meu sentir.

Deixe-me ir além, maldita.

Mentira.

Sim. É mentira. Faço-me assim porque prefiro as perguntas. Sempre. É verdade. Mas, não porque prefiro pagar o preço dessa ilusão de uma dúvida impulsionadora, pra saber que, agora, você está aí se questionando, entrando em sintonia comigo.

Não, não é só isso.

Faço-me assim por um pretexto. Um pretexto de escrever e de clamar por perguntas, dúvidas, interrogações, provocações.

Chega a angústia.

De já entender a minha fraqueza. De já compreender o meu medo.

É. Faço-me assim por medo.

Por medo dela.

Da solidão.